quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Cozinha tupiniquim (I) - Começo

Tião querido,

Incrível saber de você tantos anos depois, por força desse admirável mundo internético que nos aproxima mais que a caravela de Cabral! Que posso eu lhe contar? Que todos esses anos de Rio me tiraram toda essa melancolia portuguesa mas não foram capazes de tirar essa saudade que às vezes sinto do que agora são ténues imagens dos anos de vida portuguesa. Que não voltei à terrinha, apesar de já ter viajado até à Europa. Viagens de trabalho, entrevistando feras vivendo fora do Brasil, acompanhando eventos culturais, oportunidades para sentir a minha matriz cultural mais próxima. Portugal sempre recusei, talvez por medo do que iria encontrar - quem sabe quão diferente seria a realidade da que ainda habita meus sonhos, às vezes meus pesadelos?

Por algum tempo VOCÊ foi meu príncipe encantado de adolescente, o salvador que viria me tirar desse exílio, dessa terra que toda a família começou por rejeitar, dessa realidade tão diferente que parecia feita de outras cores, feita num outro mundo. Depois comecei gostando desse Novo Mundo, da ausência de rigidez, de convenção, da beleza de sair de casa e logo cair na praia e passar o dia com a turma, um violão e a música, entre a bossa e um sambinha. Pouco a pouco você entrou no passado e o presente me foi fazendo carioca.

Fui crescendo como vi crescer a cidade que me adotou. Do Leblon, ouvi os ecos da construção desse eldorado imobiliário que foi a Barra, vi partir amigos para as novas velhas praias, pontuadas de condomínios, de piscinas privadas (que loucura, piscina perto de praia!). Estive na rua exigindo, como toda a minha geração, DIRETAS JÁ!, chorei quando Tancredo foi eleito, chorei quando Tancredo morreu, esperei durante muitos anos que essa democracia desse certo até que tive a felicidade de ver um homem do povo chegar a presidente e conseguir tocar o país para a frente. Sobrevivi à loucura, à violência, ao medo que a minha cidade sabe oferecer nos seus momentos mais negros.

Seu mail me relembrou essa dualidade que eu tenho: sou carioca mas lisboeta no sangue, tropicalista nascida à beira do Tejo, sul americana e europeia. Sou como um lanchinho de um dia destes num boteco perto de Maringá: feijão com carne frita, amalgamado com farofa, temperado com azeite português e apimentado por molho de pimenta brasileiro. Vendo por onde se veja, acho que serei sempre eu e outra coisa...




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