sexta-feira, 4 de maio de 2012

A Taberna das Flores

Por norma não gosto de modas. Juntam o modo carneiro de estar à efemeridade do gosto, a disponibilidade para esperar em filas por algo que desaparece com brevidade. É a confirmação desse breviário nacional - e desculpem-me o francês... -, onde mija um português mijam logo dois ou três, mania acéfala de aceitar como bom aquilo que a maioria aceita como bom porque é seguido... pela maioria.

Mas abro excepções. Como para esta irrupção de estabelecimentos tasca-like, apostados em recriar esses espaços de comezaina tão tradicionalmente lisboetas. As tabernas da nossa memória são a versão kleenex da realidade passada: delas só retemos o pitoresco dos bancos de madeira e do balcão de mármore (que a raridade hoje transformou em semi-produtos de luxo), a grossura dos copos de dois e de três (que o IKEA devolveu ao mundo com o seu selo de design) e o consumo de produtos ou de pratos que o presente só permite em lojas gourmet ou em versões indecentes para turistas distraídos.


(Não vem mal ao mundo que assim seja. Tudo o resto que apagámos - a falta de higiene, a pobreza, a qualidade duvidosa de alguns produtos - foi o responsável pelo seu desaparecimento e não teria cabimento nesta realidade de maior exigência e respeito pelo consumidor.)

Esta selectividade memorial é bem posta em prática nas experiência em curso: o que se vai assistindo é a uma sentida experiência de reabilitação de urbanidade onde se tenta recuperar o espírito da coisa e, principalmente, o lado mais saboroso das preparações de antanho.


A Taberna da Rua das Flores é uma das propostas mais recentes. Se por gastronomia, aceitarem como válida a minha definição - a arte de preparar, saborear e apreciar ingredientes e confecções culinárias - então perceberão o que quero dizer quando afirmo que esta será o que até agora encontrei como mais próximo de uma Tasca Gastronómica (tasconómica para os amigos).




Duas visitas - uma ao jantar, outra ao almoço - com belas companhias, deram para comprovar a honestidade e a seriedade da abordagem. Pratos "de tasca", influências regionais de todo o país, inspirações retiradas da mundi-experiência dos proprietários (André Magalhães e Adriano Jordão (sobrinho)).

Não aceitando reservas, recomenda-se a chegada atempada sob pena de espera que o espaço é curto e os lugares reduzidos. Muito bom para três dedos de conversa, duas lambuzadelas gulosas de dedos e um serão bem disposto.

Ligueirão na chapa
Só o calor da chapa e o limão nuns exemplares fresquíssimos. Um bom começo
Sopa algarvia de Feijão frade
O toque certo do vinagre a cortar a gordura do azeite, a doçura da textura amolecida do pão e o rugoso do feijão
Tiranito de Pampo
O peixe porco tão desprezado no consumo nacional e tão bem tratado que é de comer e encomendar mais: ligeiramente braseado do lado da pele, alimado, com camarão seco e algas. Inspirada coligação cozido-crú, doce-ácido, acre-crocante
Iscas com elas
Perdi-me a olhar para o prédio fronteiro e, com a gula que a sua visão me provocou,
deitei-me a elas e esqueci-me da reportagem.
Com a grossura certa, faltou-lhes um bocadinho de "pico", um acentuar dos temperos.
Favas e maranhos
Muito bem
Miombas (se não me engana a memória)
Uma bifana feita com fatias finas de febra onde o açucarado do molho de pimenta sriracha  é, quanto a mim, dispensável
mas que sabe pela vida a gulosos como eu.
Apresentada numa caixa de papel pardo, o que é um requinte de pormenor.

A tábua de enchidos...

... e a tábua de queijos
Infelizmente o café é à moda da N*presso - que tal um bom café de saco?

Taberna da Rua das Flores
Rua das Flores 103, 1200-194 Lisboa

2 comentários:

  1. Gosto mesmo muito, do conceito, da comida e do ambiente!

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  2. Corrigida a entrada no que respeita às Miombas. Aquilo que erradamente considerei ser ketchup era molho de pimenta sriracha. O seu a seu dono, obrigado à Taberna pela correcção.

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