quinta-feira, 5 de julho de 2012

Assino por baixo



O tempo corre em espiral na minha memória e eu nunca hei-de perceber se isso é atributo da idade ou errónea influência da avassaladora provisão de estímulos da sociedade contemporânea. Perdemos capacidade de concentração, de permanência até ao fim, ensinam-me. Saltamos, ingratos, imaturos, desinteressados, de assunto em assunto, oferta em oferta, desejo em desejo.

É uma guloseima que nos enche de cáries neuronais, relembramos - porque vivemos - em sucessão de flashes e o filme que dessa lembrança resulta assemelha-se às fitas dos primórdios, saltitantes e com cortes, em velocidade errada e sequência cintilante.

Quanto tempo são dois anos em vivências gastronómicas?

Muito tempo e um salpico. Muita coisa e quase nada a querer guardar em memórias perenes.

Excepção: dois anos é o tempo que o Assinatura perfez de idade na passada semana e destes dois anos de assombrosa passagem quero guardar cada uma das gastronómicas aventuras que nele vivi.

E efemérides são efemérides e o Chef Henrique Mouro - mentor, criador, gestor, alma-mor deste projecto - não quis deixar passar esta em claro, brindando clientes e amigos com um menu de festa, um menu comemorativo que juntou pratos algumas propostas que se podem considerar incluídas no grosso do trabalho apresentado até agora e o que parece ser um novo rumo (uma sugestão? uma experiência?) - ou um rumo paralelo.

Começa-se com uma saudade - onde a magnífica manteiga de ovelha de Azeitão que tão bem nos recebia? - e uma confirmação - as bolinhas de queijo de cabra com aromáticas quase que fazem esquecer a primeira.


A primeira das seis propostas, a lembrar uma anterior, uma flor de abobrinha/courgette recheada com caviar de beringela e bacalhau desfiado, em creme de tomate assado. Na linha da composição habitual do Chef - uma trilogia construída com o elemento principal, um caldo/molho e um acompanhamento (usualmente um apontamento de textura ou sabor divergentes que realça o principal) - com um equilíbrio notável e um doseamento no recheio que me cativou: o bacalhau, apenas sugestão, leve recordação que existe mas se não impõe. Caldo sem as tentações ácidas do tomate e a textura da beldroega a  contrastar. Seguríssimo começo.


A trilogia de cantarelos arrastava uma surpresa: cantarelos no Verão? Aparentemente motivado pelas chuvas extemporâneas dos últimos tempos, o aparecimento destes cogumelos proporcionou este divertimento: cozinhados numa canja de pato, crus em salada estival e cozinhados num mexido cremoso, cremoso na latinha que, de tão extemporânea, se tornou uma graça.




Terceiro prato, uma novidade face à linha atrás referida: um misto de legumes em jeito de peça sinfónica, cada elemento preparado de modo próprio, respeitando tempos, recorrendo a diversas técnicas de cocção, muito bem orquestrado. Um excelente veículo de promoção dos igualmente excelentes produtos da Quinta do Poial. É bom ver casamentos destes.


Já a sardinha que me coube em sorte nesta "Sardinha assada em xerém de bivalves" teve a má-fortuna de passar por tratos menos dignos na sua viagem entre o oceano e a cozinha - mole, "passada", diminuiu o excelso xerém e menorizou um prato que tinha tudo para ser grande. Não tendo tido a maioria dos restantes convivas a mesma experiência, concluo que foi um azar. Como os melões, só depois de aberta se comprova...



A inevitável proposta de carne consubstanciou-se numas deliciosas plumas de porco alentejano, acompanhadas pelos - muito apreciados pela equipa do restaurante - caracóis em feijoada (descansem os mais cépticos: estes moluscos terrestres mal se vêem, mal se sentem, dando liberdade ao palato para os apreciar sem pré-interferências neurológicas...) e por uma espuma de feijão branco. Brincos-de-princesa em botão enganam-nos a mente quando, ao serem mordidos, não libertam o picante de malagueta que os nossos olhos erroneamente identificaram e são uma adição curiosa.

Um prato que vale pelo sentido rústico, pelas lembranças de portugalidade e pela suculenta, saborosa, a-desfazer-se-na-boca carne.



Finalmente o doce, uma Trilogia de Alperce (no leite creme, em gelado e desidratado em calda de açúcar) que me fez reparar principalmente no gelado.


Está de vento em popa o Assinatura? Ah, pois está. Está Henrique Mouro, está a sua criatividade, a sua técnica, o seu serviço. Assim não deixem de soprar os alísios dos favores do público para o continuar a levar neste caminho do sucesso.

Restaurante Assinatura
Rua do Vale Pereiro, Nº 19 (na esquina com a Alexandre Herculano, Nº 51)
Lisboa
Telefone: (351) 21 386 76 96 ; Email: restaurante@assinatura.com.pt
GPS: 38º 43' 14 N , 9º 09' 07 O

Almoço: Terça a Sexta, 12:30 às 15:00
Jantar: Segunda a Sábado, 19:30 às 22:30 (23:30 sexta e sábado)

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